“A filosofia política é aquela que ensina os homens a se conduzirem com prudência, seja à frente do Estado seja à frente de uma família.” Anônimo, de Verbetes políticos da Enciclopédia, por Diderot e D’Alembert
Porque os temas “política” e “ética” são tão importantes na contemporaneidade? A resposta é simples: por que ambos os conceitos fazem parte de toda a trajetória individual e social da raça humana. Embora essa possa parecer uma resposta simplista, o que não é nada simples é definir os dois conceitos e alinhá-los em busca de uma compreensão maior da realidade social, histórica e cultural da raça humana.
Tomemos como ponto de partida o conceito clássico de Ética, que tinha como principal objetivo atingir a virtude maior, a qual os gregos chamavam de “Arete”. Vejamos um trecho de Aristóteles do livro “A Ética a Nicômaco” que define bem a importância da ética para a prática política e a manutenção do Estado:
[…] a autoridade deve ser diferente quando é exercida por pessoas diferentes […]. Natural é a autoridade do pai sobre os filhos, dos antigos sobre seus descendentes. Ela repousa sobre a superioridade, merece respeitá-la. A justiça se alia à amizade para proporcionar o mérito de cada um (ARISTÓTELES, 1988, p. 46-8).
As relações entre os amigos e entre os cidadãos se equivaleriam em Aristóteles, ou seja, a amizade entre os cidadãos é a coisa mais importante para a estabilidade do Estado. A dimensão política da amizade estaria na nossa capacidade e disposição de conviver com o outro e com os outros, de modo que este seria um dos primeiros atributos do ser ético.
Demos um salto para o início do mundo moderno e analisemos a premissa básica dos iluministas na Enciclopédia de Diderot e D’Alembert, onde o verbete “filosofia política” é definido da seguinte forma:
A filosofia política é aquela que ensina os homens a se conduzirem com prudência, seja à frente do Estado, seja à frente de uma família.
A questão é: o que seria conduzir o Estado ou a família de forma prudente? Para os clássicos, como já citado, esse objetivo estaria pautado na obtenção da justiça e do bem comum, no entanto, no mundo moderno, iniciado e idealizado pelos iluministas, a aplicabilidade desta premissa já não caberia ao mundo contemporâneo. Observemos outro trecho da Enciclopédia:
“Entretanto, por mais estimáveis que sejam os preceitos que se encontram nos escritos deste filósofo [Aristóteles], é preciso confessar que a maior parte deles seria pouco apropriada para governar os Estados que dividem atualmente o mundo” (Diderot e D’Alembert)
Ora, se o princípio máximo da Arete não caberia mais como ideal de uma vida ética e política ao mundo pós-iluminista, qual seria a nova concepção de política e ética?
Segundo o professor doutor Renato Janine Ribeiro, há basicamente dois livros que condensam as ideias modernas e que curiosamente apresentam ideias opostas: O Príncipe, de Maquiavel e Utopia de Thomas Morus. Segundo o autor, Maquiavel está “preocupado em descrever como os príncipes realmente agem, e não como eles deveriam agir”.
Enquanto Maquiavel quer abrir nossos olhos e mostrar que a prática da monarquia e sua manutenção do poder descartam, por vezes, valores éticos em prol da manutenção do Estado e do bem coletivo, o autor Thomas Morus prefere combater a desigualdade social com a sua “Utopia” que apresenta um debate extremamente inteligente sobre as causas dos crimes aos quais alguns seres humanos são acometidos. Enquanto Maquiavel concebe o desvio ético como produto e parte da natureza humana, Morus apresenta a desigualdade social como gerador de desvios de caráter humano.
Pois bem, o fato é que a Ética e a Política são dois conceitos que devem ser discutidos na escola, uma vez os alunos devem aprender dissociá-las do discurso partidário-ideológico de grupos políticos que procuram interesses próprios em detrimento à busca do bem coletivo. O objetivo neste caso, não é pregar esta ou aquela ideologia, mas dar subsídio de análise crítica ao aluno para que ele se forme cidadão consciente de seus direitos e deveres e principalmente entenda que ele se insere em um contexto histórico-social que vai além das demandas de verdades prontas.
É possível elucidar o parágrafo anterior citando um pensamento do professor Ruy Fasto em entrevista para a UNIFESP. Na ocasião, o professor explica que “Não há muito conhecimento sobre os fatos históricos, de modo que a empiria é importante para as ideias. Há alunos que se dizem ser de determinado grupo ideológico, no entanto não conhecem a história e, muitas vezes, quase nada sobre o grupo”. O professor defende a importância de se conhecer os fatos históricos e de se ter uma visão interdisciplinar do conhecimento.
Por fim, tanto a Ética quanto a prática política remontam a todas as grandes civilizações humanas, logo compreendê-las ou pelo menos buscar fazê-lo é um atributo básico para a formação de qualquer cidadão.
Referências
RIBEIRO, Renato Janine. Ética e Política na Modernidade.
Filosofia e formação, volume 3 /organizadores Marcelo Carvalho, Gabriele
Cornelli. — Cuiabá, MT : Central de Texto, 2013, p.61-68.
DIDEROT, Denis e D’ALEMBERT, Jean Le Rond. Verbetes políticos da enciclopédia. Tradução de Maria das Graças de Souza – São Paulo: Discurso Editorial; Editora UNESP, 2006.
MORE, Sir Thomas. Utopia; tradução Márcio Meirelles Gouvêa Júnior. 1 edição. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. Coleção Clássica. Edição Bilíngue: português latim.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Diogo Pires Aurélio – São Paulo: Editora 34, 2017 (1º Edição).
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução e Notas: Luciano Ferreira de Souza. – São Paulo: Martin Claret, 2015. (Coleção a obra-prima de cada autor).