O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim —
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
E o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.O sono, Alberto Caeiro
Bartolomeu Amaro Novaes era desses sujeitos que acreditam na força do trabalho como filosofia de vida. A sua própria força era pautada em objetivos e metas até o dia do acidente.
Trabalhava mais ou menos das 5:00 da manhã às 20:00 da noite. Também pudera, era gerente das cinco lojas de franquia das camisas Flokos D’ouro que ajudara a fundar junto com o senhor Tanaka. Bartolomeu admirava muito os japoneses. Sempre era possível ouvi-lo dizendo que aquilo que era povo, organizado, inteligente, rico e outros adjetivos mais.
Estudara administração na Universidade de São Paulo e chegara ao posto de presidente do grêmio acadêmico, e como adorava títulos! Todas as vezes que lia algum artigo no diário oficial nomeando um fulano de tal à supervisor honorário de contas públicas ou um sicrano que acabara de ser premiado com o título de supervisor de direitos em assuntos internacionais, sempre pensava:
“_ Um dia eu chego a ser alguém importante assim!”
Sua família se reduzia à mãe, dona Maria e a um meio irmão, Josafá, que fora adotado quando Bartolomeu contava com cinco boas primaveras.
À mãe sobrava quatro horas mensais de visitação, já que Bartolomeu não tinha tempo para vê-la. Ao meio irmão costumava enviar mensagens por redes sociais, veículo pelo qual esbanjava suas fotos de bens materiais e locais por onde passava em suas viagens de estudos e negócios.
O “Senhor Certinho”, como era chamado covardemente pelas costas por seus colegas de trabalho, não bebia, não fumava, não saía para passear e não tinha namorada. Seu único vício eram as redes sociais, e seu maior mal, o sonambulismo. Certa vez acordou de madrugada e saiu de cueca até a portaria do condomínio onde morava. Seu Sebastião, o guarda noturno, levou um susto do inferno quando viu o sujeito mirrado com sua cueca preta e olhar de zumbi:
“_Tem cartas para mim?”
Sem saber o que dizer o guarda apenas respondeu direto e certeiro:
_Não Sr. Bartolomeu! Vá dormir filho!
Bartolomeu virou as costas e no outro dia acordou com a porta da casa aberta e dois prêmios: o apelido de “Assombração” e um resfriado muito forte, por isso não foi trabalhar. Ligou para o sócio majoritário e também chefe:
_Seu Tanaka, estou sem condições de trabalho hoje. Vou ao médico, tudo bem?
Escutou a resposta de seu Tanaka como se fosse uma encíclica papal e se dirigiu ao hospital. No fim da mesma semana recebeu uma visita inesperada, seu irmão Josafá, que ao invés de encontrar o irmão, encontrou uma aglomeração de curiosos em frente à casa de Bartolomeu. Havia bombeiros, policiais e muitos curiosos.
Josafá perguntou em meio ao espanto o que havia acontecido e um sujeito bem engomado respondeu:
_ Senhor, o “Assombração” se afogou na piscina essa madrugada e morreu.
Após cinco dias do acontecido, dona Maria faleceu de desgosto, Josafá, o meio irmão herdou toda a fortuna da família e senhor Tanaka contratou outro gerente de franquias, que trabalhava muito e ganhava a metade do salário de Bartolomeu
…
Luciano Aparecido Marques