Ensinar filosofia implica em filosofar.

Será que filosofar é o mesmo que ler os filósofos?

Imaginemos o seguinte caso fictício: o professor de filosofia entra na sala de aula, neste caso o primeiro ano do Ensino Médio, e declara aos alunos que nesta aula eles estudarão Platão. Logo em seguida, o professor distribui um texto teórico sobre a vida e obra do filósofo em questão, bem como uma breve explanação de alguns conceitos trabalhados pelo autor. Ao término da leitura há um questionário sobre o texto a ser respondido pelo aluno. A pergunta é: essa prática específica pode ser considerada uma aula de filosofia?

Se partirmos do princípio que antes de ser professor de filosofia, o indivíduo é, em certa medida, um filósofo, não poderíamos classificar a prática acima como uma aula de filosofia, pelo menos não uma boa aula, pura e simplesmente porque nela não há um convite individual à reflexão de temas que façam parte do cotidiano dos alunos. Ao nos colocarmos no lugar do aluno, um adolescente que está diante de problemas ainda não trabalhados em sua mente, doravante a não experiência própria da idade, bem como à fase subjetiva na qual se encontra e que, pela própria falta de experiência se constitui um problema com dimensões potencializadas, o livro texto de filosofia e a aula “engessada”, expositiva e tradicional só irá salientar o questionamento do aluno acerca de porque aprender filosofia. Por que complicar ainda mais a vida que já anda complicada nesta fase?

É sob essa perspectiva que, antes de problematizar, meramente ao bel prazer de causar certa angústia existencial no aluno, e ao mesmo tempo manter-se distante dos temas, por já compreendê-los em certa medida, o professor de filosofia deve antes se colocar como sujeito que busca compreender os temas trabalhados.

As aulas de filosofia, como lugar de experiência filosófica, têm como objetivo oferecer critérios filosóficos para o aluno julgar a realidade por meio da prática do questionamento filosófico e da construção de conceitos, por meio do exercício da criatividade e avaliação filosóficas. (ASPIS)

Portanto, antes do aluno saber quem é Platão e conhecer parte de seu pensamento, é importante que ele se depare com problemas que são caros ao patrimônio universal humano, o que implica serem próprios de nossa raça.

Uma possível sugestão para tornar a aula exposta no início do texto mais atrativa e filosófica seria por meio de um poema ou trecho de filme que levantasse o questionamento acerca de um conceito que não será explícito a priori, mas deverá ser elaborado pelo próprio aluno. Por exemplo, poderíamos mostrar ao aluno o trecho de um filme que mostre a falta de ética realizada por determinado personagem. Após a cena poderíamos explorar a cena e perguntar aos alunos o que eles sentiram ao término do vídeo. Em um segundo momento, pediríamos aos alunos que propusessem um conceito para explicar as atitudes do personagem. Ainda na aula, em um terceiro momento, o professor recolheria as informações e faria um levantamento de ideias anotando-as na lousa. Por fim, todos deveriam estar engajados na solução do problema deste determinado conceito.

Apenas após toda a abordagem citada acima, em uma segunda aula, o professor, ainda em tom questionador perguntaria aos alunos se eles já teriam ouvido falar de Platão. Por fim o professor transmitiria o conceito de Ética em Platão e contextualizaria o filósofo em seu espaço tempo.

Sempre em tom inquiridor o professor faria o papel de advogado do diabo, questionando as conclusões dos alunos, a do próprio Platão bem como a sua própria concepção do assunto, de modo que o aluno possa conceber o professor de filosofia, não como um doutor de verdades absolutas, mas como um parceiro de caminhada mais experiente na estrada do pensamento filosófico.

[…] Esse professor tem a chave de um espaço singular onde os alunos poderão entrar para ter ali a sua experiência filosófica. O modo de relacionar-se consigo mesmo, com os outros, com o texto, dentro desse espaço, será um modo diferente, será um modo filosófico. ASPIS)

Referência Bibliográfica

O professor de filosofia: o ensino de filosofia no Ensino Médio como experiência filosófica. ASPIS, Renata Pereira Lima. Cad. Cedes, Campinas, vol. 24, n.64, p. 305-320, set./dez. 2004. Disponível em [HTTP://WWW.cedes.unicamp.br].

Ética e política, dois atributos humanos.

“A filosofia política é aquela que ensina os homens a se conduzirem com prudência, seja à frente do Estado seja à frente de uma família.” Anônimo, de Verbetes políticos da Enciclopédia, por Diderot e D’Alembert

Porque os temas “política” e “ética” são tão importantes na contemporaneidade? A resposta é simples: por que ambos os conceitos fazem parte de toda a trajetória individual e social da raça humana. Embora essa possa parecer uma resposta simplista, o que não é nada simples é definir os dois conceitos e alinhá-los em busca de uma compreensão maior da realidade social, histórica e cultural da raça humana.

Tomemos como ponto de partida o conceito clássico de Ética, que tinha como principal objetivo atingir a virtude maior, a qual os gregos chamavam de “Arete”. Vejamos um trecho de Aristóteles do livro “A Ética a Nicômaco” que define bem a importância da ética para a prática política e a manutenção do Estado:

[…] a autoridade deve ser diferente quando é exercida por pessoas diferentes […]. Natural é a autoridade do pai sobre os filhos, dos antigos sobre seus descendentes. Ela repousa sobre a superioridade, merece respeitá-la. A justiça se alia à amizade para proporcionar o mérito de cada um (ARISTÓTELES, 1988, p. 46-8).

As relações entre os amigos e entre os cidadãos se equivaleriam em Aristóteles, ou seja, a amizade entre os cidadãos é a coisa mais importante para a estabilidade do Estado. A dimensão política da amizade estaria na nossa capacidade e disposição de conviver com o outro e com os outros, de modo que este seria um dos primeiros atributos do ser ético.

Demos um salto para o início do mundo moderno e analisemos a premissa básica dos iluministas na Enciclopédia de Diderot e D’Alembert, onde o verbete “filosofia política” é definido da seguinte forma:

A filosofia política é aquela que ensina os homens a se conduzirem com prudência, seja à frente do Estado, seja à frente de uma família.

A questão é: o que seria conduzir o Estado ou a família de forma prudente? Para os clássicos, como já citado, esse objetivo estaria pautado na obtenção da justiça e do bem comum, no entanto, no mundo moderno, iniciado e idealizado pelos iluministas, a aplicabilidade desta premissa já não caberia ao mundo contemporâneo. Observemos outro trecho da Enciclopédia:

“Entretanto, por mais estimáveis que sejam os preceitos que se encontram nos escritos deste filósofo [Aristóteles], é preciso confessar que a maior parte deles seria pouco apropriada para governar os Estados que dividem atualmente o mundo” (Diderot e D’Alembert)

Ora, se o princípio máximo da Arete não caberia mais como ideal de uma vida ética e política ao mundo pós-iluminista, qual seria a nova concepção de política e ética?

Segundo o professor doutor Renato Janine Ribeiro, há basicamente dois livros que condensam as ideias modernas e que curiosamente apresentam ideias opostas: O Príncipe, de Maquiavel e Utopia de Thomas Morus. Segundo o autor, Maquiavel está “preocupado em descrever como os príncipes realmente agem, e não como eles deveriam agir”.

Enquanto Maquiavel quer abrir nossos olhos e mostrar que a prática da monarquia e sua manutenção do poder descartam, por vezes, valores éticos em prol da manutenção do Estado e do bem coletivo, o autor Thomas Morus prefere combater a desigualdade social com a sua “Utopia” que apresenta um debate extremamente inteligente sobre as causas dos crimes aos quais alguns seres humanos são acometidos. Enquanto Maquiavel concebe o desvio ético como produto e parte da natureza humana, Morus apresenta a desigualdade social como gerador de desvios de caráter humano.

Pois bem, o fato é que a Ética e a Política são dois conceitos que devem ser discutidos na escola, uma vez os alunos devem aprender dissociá-las do discurso partidário-ideológico de grupos políticos que procuram interesses próprios em detrimento à busca do bem coletivo. O objetivo neste caso, não é pregar esta ou aquela ideologia, mas dar subsídio de análise crítica ao aluno para que ele se forme cidadão consciente de seus direitos e deveres e principalmente entenda que ele se insere em um contexto histórico-social que vai além das demandas de verdades prontas.

É possível elucidar o parágrafo anterior citando um pensamento do professor Ruy Fasto em entrevista para a UNIFESP. Na ocasião, o professor explica que “Não há muito conhecimento sobre os fatos históricos, de modo que a empiria é importante para as ideias. Há alunos que se dizem ser de determinado grupo ideológico, no entanto não conhecem a história e, muitas vezes, quase nada sobre o grupo”. O professor defende a importância de se conhecer os fatos históricos e de se ter uma visão interdisciplinar do conhecimento.

Por fim, tanto a Ética quanto a prática política remontam a todas as grandes civilizações humanas, logo compreendê-las ou pelo menos buscar fazê-lo é um atributo básico para a formação de qualquer cidadão.

Referências

RIBEIRO, Renato Janine. Ética e Política na Modernidade.

Filosofia e formação, volume 3 /organizadores Marcelo Carvalho, Gabriele

Cornelli. — Cuiabá, MT : Central de Texto, 2013, p.61-68.

DIDEROT, Denis e D’ALEMBERT, Jean Le Rond. Verbetes políticos da enciclopédia. Tradução de Maria das Graças de Souza – São Paulo: Discurso Editorial; Editora UNESP, 2006.

MORE, Sir Thomas. Utopia; tradução Márcio Meirelles Gouvêa Júnior. 1 edição. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. Coleção Clássica. Edição Bilíngue: português latim.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Diogo Pires Aurélio – São Paulo: Editora 34, 2017 (1º Edição).

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução e Notas: Luciano Ferreira de Souza. – São Paulo: Martin Claret, 2015. (Coleção a obra-prima de cada autor).

Ciência e verdade

Em seu livro “O Nome da Rosa”, o autor Umberto Eco narra um trecho em que dois frades discutem o princípio de verdade sob a égide teológica. Vejamos o trecho:

“É difícil aceitar a ideia de que não pode haver ordem no universo, porque ofenderia a livre vontade de Deus e sua onipotência. Assim a liberdade de Deus é nossa condenação, ou pelo menos a condenação de nossa soberba. Ousei pela primeira e última vez na minha vida, uma conclusão teológica: ‘Mas como pode existir um ser necessário totalmente entretecido de possível? Que diferença há entre Deus e o caos primigênio? Afirmar a absoluta onipotência de Deus e sua absoluta disponibilidade a respeito de suas próprias escolhas não equivale a demonstrar que DEUS NÃO existe?’(…)”

Pois bem, o trecho acima se trata de uma narrativa moderna sobre um fato vivenciado na idade média. A partir da fala do monge Adso de Melk, é possível compreender alguns dogmas da igreja então presentes na tradição católica: a onipotência de Deus e o seu domínio sobre o universo. A crença enraizada na tradição levou a igreja a desconsiderar teorias como o heliocentrismo em detrimento ao geocentrismo. ((FREIRE JR.)

As verdades até então aceitas pela visão aristotélica do mundo refrearam o avanço científico no que concerne ao conhecimento das ciências naturais. Houve processos, prisões e condenações inclusive de pessoas ligadas ao clero, como Giordano Bruno. Porém, a ciência continuou seu avanço por meio da invenção de aparelhos, como a luneta e o telescópio que potencializaram provas contundentes sobre assuntos até então inquestionáveis, como a noção do espaço etéreo e a quintessência Elemental que pode ser colocada a prova a partir da observação do solo lunar e seu aspecto rochoso ao invés de gasoso. (FREIRE JR.)

Os avanços científicos modernos colocaram à prova verdades tidas como absolutas, tais como: a noção de tempo e espaço, causalidade e até a própria experimentação científica, uma vez que esta necessita de elementos que podem modificar os resultados por meio de referenciais e ajustes encontrados no próprio meio. “A experiência não estabelece a verdade de nenhuma teoria, nem a refuta definitivamente”. (Smith)

É possível, portanto, conceber algum tipo de verdade em meio a tanto relativismo?

Essa é uma boa pergunta que cabe à filosofia, dentre outras disciplinas, responder. Ora, se nos atentarmos ao fato de que houve um avanço científico no tocante à elaboração de teorias que buscam compreender o universo a resposta é sim, porém se partirmos do princípio que as verdades científicas são de tempos em tempos abaladas ou colocadas à prova, não, pelo menos em parte. Segundo o professor autor Olival Freire Jr.:

“A adequação empírica deixou de ser sinônimo de verdade e a própria noção de verdade de uma teoria científica foi posta em questão, pois passamos a considerar provisórios mesmo os fundamentos das teorias correntemente aceitas”.

As verdades científicas não são absolutas, mas têm certo prazo de validade, pois, a própria ciência busca responder seus próprios questionamentos, fato que implica a criação de novos conceitos e teorias.

Uma questão que gira em torno da verdade científica é a sua aplicabilidade prática no que concerne à criação de produtos e sua implicação ética. Podemos analisar, por exemplo, a criação de diversos aparatos tecnológicos que por um lado alavancaram a globalização e facilitaram a comunicação entre os povos e por outro serviram a um sistema econômico de interesses político-ideológicos. Outra questão é a criação de armamentos com potencial de destruição em massa inclusive ameaçando o próprio planeta terra e sua biodiversidade.

Ética na produção científica bem como suas implicações, deve ser muito bem considerada, de modo a não implicar perdas e danos irreparáveis tanto para a natureza quanto para a própria existência humana, uma vez que o conhecimento deve servir à manutenção da vida e não a sua destruição.

Por fim, mas não menos importante, é necessário fazermos distinções entre as ciências naturais, a filosofia e a teologia, para que uma não interfira na outra de modo negativo. E que o diálogo entre elas seja produtivo e bom para a evolução humana e de toda a natureza.

Bibliografia.

ECO, Umberto. O Nome da Rosa. Rio de Janeiro. Record, 2011.

FREIRE Jr., Olival. História da física e a Reflexão Filosófica. In: CARVALHO, Marcelo. CORNELLI, Gabriele (org.). Filosofia: conhecimento e linguagem. Volume 4. Cuiabá MT: Central de texto, 2013, p.149-159.

SMITH, Plínio Junqueira. Liberdade Científica, experimentação e valores cognitivos. In: CARVALHO, Marcelo. CORNELLI, Gabriele (org.). Filosofia: conhecimento e linguagem. Volume 4. Cuiabá MT: Central de texto, 2013, p.133-148.

É possível ensinar filosofia?

Luciano Aparecido Marques

A filosofia tem sido há séculos uma área de saber que contempla o questionamento e a construção de ideias pautadas em problemáticas, que por sua vez se atualizam, à medida que o mundo se reinventa, ou, por vezes copia o que outros já produziram, no entanto, trazendo nova roupagem e com isso novos problemas. A questão, pois, é saber se é possível ensinar ou até mesmo aprender esse conhecimento.

Tomemos como ponto de partida um trecho de uma das antinomias problematizadas por Derrida e elucidada pelo autor Walter Omar Kohan no texto “Antinomias para pensar o ensino da filosofia”:

[…] toda a prática de ensino da filosofia está submetida ao mesmo tempo à necessidade e impossibilidade de afirmar um método filosófico. Em outras palavras todo o ensino de filosofia precisa seguir um método e, na mesma medida em que segue um método, afirma um caráter anti-filosófico nessa prática.

Se pensarmos que a filosofia é pautada antes no ato de filosofar em relação à própria área do saber, podemos e devemos questionar se é possível fazê-lo por meio de um método, e é exatamente essa proposição que o trecho acima procura responder. Pois bem, como professores de filosofia, é razoável pensarmos que não podemos sistematizar o ato de filosofar e reduzi-lo a ações pautadas em determinados temas, em primeiro lugar porque ao fazê-lo podemos transmitir aos alunos a ideia de que o filosofar só ocorre quando tratamos de determinados assuntos, com isso limitando a própria filosofia, e em segundo lugar, podemos tratar o aspecto do filosofar de forma doutrinária ao invés de problematizá-la.

Uma possível solução para a tentação de cairmos na armadilha de doutrinar, ao invés de problematizar é partirmos do ideário e das necessidades dos alunos, bem como de suas realidades. Conforme afirma “Alejandro A. Cerletti no texto “A formação do docente no ensino de filosofia” ao tratar da formação docente:

[…] Dizemos, então, que a filosofia, mais do que um saber, é uma relação com o saber. E essa relação se singulariza em cada pessoa que filosofa, que realiza a atividade de aspirar a alcançar o saber, indagando e tentando responder (e responder-se) as interrogações que lhe são significativas[…]

É de extrema importância e até urgência que, enquanto professores, sejamos sensíveis o bastante para sabermos que a problemática ou o tema propostos em uma determinada aula podem simplesmente não significar nada ao aluno que ouve e observa atentamente ao professor, pelo menos não até aquele dado momento. Isso não significa de modo algum que devamos tratar apenas de temas que interessem aos alunos, no entanto se não partirmos de suas realidades, talvez sejamos incapazes de despertar e até aprimorar o ato de filosofar em seu dia a dia.

Uma questão inerente às aulas de filosofia, além do método e de “não raro, sua subversão já tratados anteriormente é a questão dos conceitos. Segundo o professor Silvio Gallo, no texto “O ensino da filosofia e o pensamento conceitual”:

[…] O conceito é, pois, uma forma racional de equacionar um problema ou problemas, exprimindo uma visão coerente do vivido. Não é abstrato nem transcendente, mas imanente, uma vez que parte necessariamente de problemas experimentados. […]

Se nos debruçarmos mais atentamente à ideia de conceito proposta por Silvio Gallo, logo essa mesma premissa implica na construção e discussão de conceitos trabalhados em sala de aula.

No livro “O mestre ignorante” de Jacques Rancière, o personagem, professor Joseph Jacotot pressupõe a ignorância de seus alunos e encontra a sua própria ignorância. Se partirmos do próprio conceito para atingirmos a reflexão do tema proposto em sala de aula, sem que haja uma sondagem prévia com relação ao conhecimento dos alunos, podemos cair na armadilha de trabalharmos um tema no qual já se houve um esgotamento de discussões ou um tema que ultrapassa a compreensão do aluno dada a sua realidade. Explico-me. É possível levantar a temática da ética política sem com isso inflar ainda mais o ressentimento e, por vezes, aplacar a repulsa que muitos alunos possuem por esse tema, quando o universalizamos. E como podemos fazê-lo? Ora, se partirmos do pressuposto que a Ética, com letra maiúscula mesmo, é um dos conceitos mais antigos da filosofia grega, é possível inferir que esse conceito, embora não compreensível no mesmo nível, ou da mesma forma, é parte inerente do questionamento humano, tais como Amor, Moral, Razão, dentre outros.

Por fim, o discurso filosófico tem sua forma mais específica na produção dos filósofos, enquanto mestres de seu próprio ofício, no entanto, outras áreas do saber também corroboram a mesma natureza questionadora da filosofia, fazendo uso de outras linguagens e formas, tais como as artes, a ciência e as religiões, de modo que, ao ensinar filosofia não o fazemos apenas na exposição das ideias dos clássicos ou do uso do cânon, todavia, o fazemos por meio do despertar questionador que cada um já encerra dentro de si e mais importante ainda, o fazemos por meio de duas ferramentas que, segundo o autor Gonzalo Armijos são partes inerentes da disciplina filosófica: o próprio pensar e o diálogo.

Referências

CORNELLI, Gabriele. CARVALHO, Marcelo. Filosofia e formação, volume 1 /organizadores. – Cuiabá, MT : Central de Texto, 2013.

Artigos

CERLETTI, Alejandro. A formação docente no ensino de filosofia.

KOHAN, Walter. Antinomias para pensar o ensino de filosofia.

ARMIJOS, Gonzalo. O ensino da filosofia e a “situação-problema”. 

GALLO, Silvio. O ensino da filosofia e o pensamento conceitual.

Filosofia na escola.

História da Filosofia e leitura dos clássicos em sala de aula

É de extrema importância trabalhar os clássicos da filosofia em sala de aula, uma vez que esses textos trazem em si questionamentos do que é o próprio discurso filosófico, validando-o e diferenciando-o de outras disciplinas tais como a psicologia e a própria história geral.

Outra relevância creditada aos textos clássicos é a capacidade que eles têm de ultrapassar o tempo, uma vez que tratam de assuntos universais e questionamentos que são contemporâneos tanto para seus autores quanto para os leitores atuais.

Portanto, a presença do texto clássico em sala de aula se faz necessária, tendo em vista a sua importância histórico-cultural enquanto constructo da cultura e do próprio pensamento. A questão que permeia este debate é  de quais textos devem ser trabalhados e de que forma. Cabe ao docente em seu planejamento elencar os temas relevantes para cada comunidade escolar, ou deve este mesmo professor seguir um manual e discorrer os assuntos nele trabalhados para que haja debates em sala de aula?

Os questionamentos acima levantados podem ser razoavelmente respondidos, uma vez que ambos os manuais e os questionamentos que partem dos alunos são importantes. A questão então seria: como devemos trabalhar os temas e os textos em sala de aula?

Se partirmos da didática geral e contemporânea cujo escopo teórico e pesquisa recaem sobre a perspectiva do aluno como centro das aulas. Podemos utilizar o texto clássico para ilustrar a temática a ser trabalhada sem perder de vista o contexto no qual o aluno se insere bem como o contexto no qual o texto foi construído, evitando com isso aulas doutrinárias em detrimento ao objetivo de colaborar para a construção de indivíduos críticos e autônomos.

No intuito de contribuir para a construção do pensamento dos alunos precisamos dar-lhes voz tanto no debate discursivo quanto na elaboração escrita e para tal podemos fazer uso de ferramentas que estão no contexto do próprio aluno.

É possível, por exemplo, pedir aos alunos que leiam trechos de alguns diálogos de Platão e pedir para que eles recriem alguns trechos modificando as problemáticas ou atualizando-as para o seu contexto atual.

Ao tratarmos os textos em sala de aula, penso que não devemos fazê-lo sem em tom de doutrinação como se houvesse apenas um viés, uma maneira de entender aquele determinado tema ou conceito, por isso é importante que façamos as escolhas do texto e propiciemos sempre o debate, nunca apenas uma verdade ou um autor como palavra final.

Lembremos que a presença da filosofia é política e universal, posto que todo cidadão precisa pensar e a filosofia ensina a fazê-lo de modo crítico.

Luciano Aparecido Marques.

Filosofia e Estética

A filosofia se debruça sobre a arte por meio do estudo da estética. A palavra estética é oriunda do grego “aisthê”, que significa: que tem a faculdade de sentir e compreender; que pode ser compreendido pelos sentidos, de acordo com o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado (4º ed., vol. II, Lisboa, Livros Horizonte, 1987). A arte desperta, dentre outras coisas, emoções, sentimentos e desejos no indivíduo que se conecta a ela, seja como criador ou contemplador. O autor Miguel de Unamuno, em seu livro “Do Sentimento Trágico da Vida” afirma:

Diz-se que o homem é um animal racional. Não sei por que não foi dito que é um animal afetivo ou sentimental. Talvez seja o sentimento e não a razão que o diferencie de outros animais. Vi mais vezes um gato raciocinar do que rir ou chorar. Talvez chore ou ria por dentro, mas talvez também o caranguejo resolva equações do segundo grau.

Que o homem de fato é um animal afetivo ou sentimental não temos dúvidas, mas fica outra pergunta no ar: qual é a utilidade da arte? Seria ela a busca pelo belo? Ou seria a manifestação de sentimentos internos? Pois bem, vejamos o que o escritor Oscar Wilde afirma em seu clássico O Retrato de Dorian Gray:

“Pode-se perdoar um homem o fazer uma coisa útil, enquanto ele a não admira. A única desculpa que merece quem faz uma coisa inútil é admirá-la intensamente.

Toda a arte é absolutamente inútil.”

Para o autor a arte é inútil enquanto bem material, mas é útil enquanto obra digna de admiração. Ora, esse anseio por compreender a admiração que temos pela arte e suas implicações ocorre desde a antiguidade clássica. Vejamos um pequeno esboço histórico sobre o assunto.

Em primeiro lugar é importante ressaltar que um dos pontos primordiais do debate sobre a arte era exatamente a prática da mimese, enquanto imitação ou representação da natureza.

Comecemos a análise com Platão, que em seu diálogo intitulado Hípias Maior trata do belo quando questiona se o artista ao imitar a natureza o faz em essência, ou apenas imita a ideia da beleza que antecede a natureza? Ao tratar o tema, o autor questiona:

“[…] a que fim se propõe o pintor em cada caso particular: imitar as coisas como são em si mesmas, ou sua aparência?

Da aparência.

Logo, a arte de imitar está muito afastada da verdade […]”

Vemos neste diálogo entre os personagens Sócrates e Hípias a ideia platônica da arte como obra inferior que poderia inclusive afastar o sábio da verdade.

Para Aristóteles, no entanto, a arte enquanto mimese, ou seja, enquanto imitação da realidade, não a reproduz, mas a recria num processo de verossimilhança que, para o filósofo, é parte natural do ser humano, que pratica o processo de imitação desde tenra idade quando imita a linguagem e seus meandros.

Se dermos um salto da antiguidade clássica até o Romantismo do século XVIII, poderemos perceber que a arte não repousará mais na cópia e reprodução de modelos artísticos reconhecidos, tais como a estrutura rígida da métrica dos poemas como: sonetos, barcarolas, versos alexandrinos, dentre outros. Neste período a arte passa a ser compreendida como fruto da inspiração individual. A expressão romântica é uma espécie de antecâmara para compreendermos a forma modernista (SAFATLE).

O modernismo preferiu compreender a arte “fiel ao seu conteúdo de verdade” e identificá-la com impessoalidade ao invés de utilizar a primeira pessoa. (SAFATLE)

Por fim, cabe citar o papel da filosofia enquanto questionadora e por que não até certo ponto produtora de arte. O filósofo Miguel de Unamuno no livro já citado ressalta:

Corresponde-nos dizer ante se mais nada que a filosofia se inclina mais para a poesia do que para a ciência.

Luciano Aparecido Marques

Bibliografia.

Filosofia: estética e política, volume 3 / organizadores Marcelo Carvalho, Gabriele Cornelli. – Cuiabá MT: Central de texto 2013. SAFATLE, Vladimir. Uma arqueologia do modernismo: para introduzir o problema da autonomia na obra de arte. Artigo: página 177. RUFINONI, Priscila Rossinetti. Estética como filosofia da arte: sobre a mimeses. Artigo: página 161.

Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado (4º ed., vol. II, Lisboa, Livros Horizonte, 1987).

UNAMONO, Miguel de. Do sentimento trágico da vida. São Paulo: Hedra 2013.

Wilde, Oscar. O Retrato de Dorian Gray. Tradução: Januário Leite. 2013, Centaur Editions.

Arte como reflexão

Luciano Aparecido Marques

O que a arte quer nos mostrar?

Começo o meu texto com uma pergunta, pois a complexidade e a subjetividade da palavra arte tornam muito difícil a definição sólida sobre o que ela seria ou a que ela se propõe. No entanto, quero arriscar um palpite pessoal sobre o assunto: penso na arte como expressão do intelecto humano e arriscaria dizer que o seu fim é o despertar de sentimentos internos individuais e (ou) coletivos por meio da expressão. Aproximo-me com isso da ideia dos intuicionistas, para quem a arte é criativa e específica, cognitiva e espiritual (WEITZ 1953).

Pensemos na estética em sua origem etimológica, ou seja, como sentido. Cada indivíduo quando exposto a uma obra de arte a entenderá de uma forma única, individual e especial e para tal utilizará seu próprios códigos e experiências. No entanto, há um paradoxo social nessa questão, pois, para alguns uma obra de arte pode ter significância absolutamente nula, enquanto para outros, principalmente para aqueles que puderam ter acúmulo de capital cultural (BOURDIEU 2000), essa mesma obra de arte passará a significar muito mais. Logo, o valor que arte tem diz respeito à apropriação cultural que cada indivíduo detém ao interpretá-la.

Analisemos agora a classificação do que é a obra de arte propriamente dita. O conceito de arte pode ser compreendido sob dois pontos de vista: o descritivo (quadro) e o valorativo (bonito), ou seja, ao declararmos que algo é uma obra de arte o fazemos apontando o objeto ou o seu valor (WEITZ 1953). Tendo em vista a ideia anterior, que critério podemos utilizar para escolhermos as obras de arte apresentadas a nossos alunos e como podemos ensiná-los a lê-las? Analisemos o trecho abaixo de Weitz:

“De facto, torna-se central na estética, para a nossa compreensão da arte, pois ensina-nos o que devemos procurar na arte e como devemos encarar o que encontramos na arte. O que é central e deve ser articulado em todas as teorias são os seus debates acerca da profundidade emocional, de verdades profundas, da beleza natural, da exatidão, da vivacidade de tratamento e assim por diante, como critério de avaliação – os quais convergem na direção do problema perene de saber o que torna uma obra de arte boa.”

Pois bem, ao selecionarmos as obras de arte a serem trabalhada durante as aulas é necessário que tenhamos como critério aquilo que o texto de Weitz cita, ou seja, de forma resumida, é necessário que a obra de arte abra caminhos para o debate acerca de temas caros ao ser humano enquanto ser individual e social.

Passemos agora a analisar a interpretação das obras a serem propostas. A leitura da imagem por parte do aluno a princípio tem um caráter mais emotivo do que cognitivo (SCHLICHTA 2009). A partir da proposta elaborada acima eu penso que as aulas de filosofia da arte e estética devem estar associadas a outras disciplinas e ao contato individual do aluno no tocante à sua percepção individual. Vejamos, por exemplo a forma que eu proponho abordar a obra de arte em sala de aula. Podemos fazê-lo de forma indutiva ou dedutiva. Se o fizermos da primeira forma estaremos induzindo o aluno a interpretar a obra com o aporte histórico e teórico, o que é importante, porém, eu prefiro começar a apresentação das obras sem contextualizá-las para que os alunos tenham suas próprias impressões, a principio sem contexto, pois dessa forma eu penso que a interpretação é mais genuína e, num segundo momento, o professor apresenta o aporte histórico e teórico para que o aluno, agora dispondo desse conhecimento possa interpretá-la de forma mais completa.

A arte trabalha com diversos temas e são eles que mais me chamam a atenção. Ao contemplarmos um quadro dramático como “O Grito” de Van Gogh, mesmo sem ter estudado seus meandros históricos ou estéticos, muito provavelmente experimentaremos um certo sentimento de angústia advindo da imagem, de modo que acredito que a interpretação espontânea da obra deve ser um ponto de partida para compreendê-la.

 As obras com que trabalhei nos meus projetos de aula expressam diversos temas filosóficos como: o nascimento, a morte, a velhice, o belo e o sublime. O objetivo maior de trabalhar com as obras de arte é ensinar o aluno a lê-las além da aparência meramente emotiva, uma vez que a consciência estética não é inata, mas deve ser trabalhada na escola (SCHLICHTA 2009). Por fim, a arte pode servir para ensinar e inspirar os educandos levando-os a compreender e re-significar o complexo mundo que conhecemos e reinventamos a cada fase da vida.

Bibliografia

WEITZ, Morris. O Papel da Teoria na Estética. “In The Journal of Aesthetics and Criticism”, XV (1958), 27-35. Tradução: Célia Teixeira.

SCHLICHTA, Alcioni B. D. Ensino da Arte, Formação dos Sentidos E Leitura da Imagem: Reflexões Sobre o que Parece Explicado. Departamentos de Artes – SCHLA – UFPR. Educação e Doutora em História – UFPR.

BOURDIEU, P. A Economia das Trocas Simbólicas. 5º ed. São Paulo: Perspectiva, 1999.

Filosofia: estética e política, volume 3 / organizadores Marcelo Carvalho, Gabriele Cornelli. – Cuiabá MT: Central de texto 2013. SAFATLE, Vladimir. Uma arqueologia do modernismo: para introduzir o problema da autonomia na obra de arte. Artigo: página 177. RUFINONI, Priscila Rossinetti. Estética como filosofia da arte: sobre a mimeses. Artigo: página 161.