“Uma mentira dita mil vezes torna-se verdade.”
Joseph Goebbels
Não havia nenhuma forma de conter a agressividade dos jovens da Rua dos Morgados. O mais perigoso do bando era Zé Antônio. Cara amassada e pescoço encolhido para dentro dos ombros, com uma expressão de espantalho oco. Tivera sua infância roubada nos tempos em que morara em Feira de Santana. O sorriso tomava-lhe a cara sempre que estava em ação. Por isso o apelido de “sorriso do diabo”!
Marcelina era o engodo de dezoito anos. Suas pernas torneadas e o corpo estrutural eram a isca perfeita para os patifes do submundo da prostituição. A cada vítima que fazia, ela ganhava uma joia do irmão Marcelo Grandão. Por isso já contava com tamanha quantia de anéis e colares que já podia até abrir uma joalheria, o que inclusive figurava em seus sonhos difusos.
Marcelo Grandão era quem controlava o esquema do golpe do morro dos Aimorés. Extorquira muitos para chegar lá e com certeza não hesitaria em tirar vidas.
O esquema era o seguinte, atrair qualquer vagabundo calhorda e pedófilo ao ninho de cambraia de Marcelina e depois roubar seus pertences, dignidade e a vida pessoal. Quem se importava com esses calhordas, afinal eles não eram melhores do que o bando!
Naquela noite a próxima vítima ao que tudo indicava se chamava Armando Nogueira. Marcelo sempre conseguia a informação no site de relacionamento e com a ajuda do senhor X, cujo rosto o bando nunca vira, ele hackeava todas as informações do contratante. Depois era só depenar tudo o que ele possuía, bens, dinheiro e dignidade. Era um jogo muito rentável.
A última vítima era um tal de Manuel Dias. Casado, pai de três filhos e dono de uma revendedora de automóveis. Presa fácil que até hoje depositava trezentos reais por semana para ter sua “honra” encoberta.
Marcelina nunca chegava a consumar o ato, porque sempre que a vítima chegava ao quarto de hotel ou motel, era interceptada por Zé Antônio, que fazia o trabalho sujo com a arma que roubara do avô aos quinze anos de idade. Tinha sido muito fácil até o cliente Armando Nogueira aparecer.
Agendado o encontro para sexta-feira do dia 13 de novembro, o tal Armando contratou os serviços de Marcelina por mil e duzentos reais, o valor mais alto pago até aquele momento.
O bando passou o dia pelas redondezas, na vila das Araras. Almoçaram juntos no requintadíssimo restaurante dos Silva e depois passaram no Shopping Central para comprar a joia da Marcelina.
_ Mana, você precisa comprar essa joia antes do negócio, mesmo? Resmungou Marcelo Grandão.
Com um olhar de fogo atento às artimanhas do irmão, Marcelina respondeu:
_ Você sabe que eu só trabalho depois de ter a minha recompensa, não é?
_ Você já deu de graça para um monte de marmanjos, agora fica exigindo cota! Porra, você nem vai dar para o sujeito!
_ Vocês estão falando alto demais! Querem estragar tudo? Sussurrou Zé Antônio.
_ Ou compra a joia ou estou fora! Esse sempre foi o combinado! Respondeu Marcelina.
O bando se dispersou depois de ter comprado a tal joia. E marcaram o encontro no local indicado. Marcelo pegaria o tal do Armando no terminal de ônibus Central e depois o deixaria no Hotel Cambraia conforme o combinado. Zé Antônio esperaria no quarto para surpreender o casal que se encontraria no saguão do hotel e depois começariam a tortura psicológica e o roubo.
Armando era muito diferente dos demais. Em geral os clientes eram mais velhos e não possuíam boa aparência. No entanto Armando era uma mulher de aproximadamente vinte e cinco anos de idade e parecia uma modelo dessas de comercial de tevê.
Possuía um leve sotaque espanhol que Marcelo Grandão percebeu logo de cara. No caminho ao hotel, Marcelo conversou com a cliente como se não soubesse de nada. Era parte do esquema que o contratante possuísse um motorista que o levasse ao local indicado para não causar nenhuma suspeita.
_ Desculpe-me a intromissão, minha querida, mas você vem à nossa cidade a negócios? Perguntou Marcelo.
_ Sim, meu caro. Ficarei hospedada no hotel essa noite, mas partirei logo pela manhã. Você pode me buscar às 5:00 da manhã? Você sabe, eu preciso de sigilo nos meus negócios, ok?
_ Você não vai passar a noite no hotel, sua puta, pensou Marcelo e em seguida respondeu: é claro, minha querida, estarei esperando no saguão.
Marcelo deixou Armando na porta do Hotel. A mulher o presenteou com uma caixa finíssima de drageados de chocolate com licor.
Marcelo partiu para casa que ficava a poucos quarteirões dali. Acendeu o cigarro e estacionou o carro na garagem. Não desceu do veículo, porque sabia que o esquema sempre durava menos de uma hora, período em que voltaria ao hotel para pegar a irmã e o amigo. Ligou o rádio e começou a ouvir música ao mesmo ao tempo em que devorava os deliciosos drageados.
No saguão do hotel, Armando conheceu Marcelina que a acompanhou ao quarto. Na chegada ao local, a contratante disse:
_ Querida, eu preciso ir ao saguão, pois esqueci de uma coisa que será muito especial.
_ Pois não, linda! Irei me preparar todinha para você. Respondeu Marcelina.
No banheiro do saguão, a senhorita Armando retirou uma pistola semiautomática de uma cinta que carregava debaixo de seu terninho e nela instalou um silenciador. Depois disso urinou e assobiou “Satisfaction” do Stones. Voltou ao quarto sem lavar as mãos.
Ao entrar no quarto ela se dirigiu direto ao closet onde Zé Antônio estava escondido, abriu a porta do móvel sem que Zé pudesse reagir e disparou um tiro a queima roupa na cabeça do sujeito que caiu no chão com os olhos lânguidos de cor de suco de limão.
Ao ouvir a queda, Marcelina saiu do banheiro e foi abordada por Armando que disse:
_ Eu tenho três serviços para você. Se me obedecer, você viverá para ver o dia de amanhã, senão eu te mato aqui mesmo.
Marcelina se assustou muito e chorando respondeu:
_ Sim eu vou colaborar. O que você quer de mim?
_ Primeiro você vai me ajudar a esconder esse corpo e vai ligar para o seu irmão dizendo que está tudo sob controle e que ele pode vir me buscar no horário combinado. Depois você vai trepar comigo! Por fim eu irei para casa e iremos esquecer que isso aconteceu, ok?
_ Tudo bem, mas não me machuque, por favor!
As duas esconderam o corpo de Zé Antônio no closet e Marcelina ligou para o irmão:
_ Mano, eu já consegui extorquir a safada! Você pode vir nos pegar às 5:00 amanhã de manhã?
_ Você está maluca! Porque devemos esperar tanto tempo?! Cadê o Zé? Eu quero falar com ele! Respondeu Marcelo Grandão.
Armando tomou o telefone da mão da Marcelina e disse a Marcelo:
_ Acabou, seu filho da puta! Eu tenho a sua irmã e se você não fizer o que eu mandar, ela vai virar presunto junto com o seu amigo.
_ Se você tocar em um fio de cabelo da minha irmã, eu te mato!
_ Eu já estou morta, meu filho. Eu não sou nada para o Estado. A minha ficha nem sequer existe. Eu tenho vários nomes, eu posso ter várias faces e posso estar em vários lugares ao mesmo tempo.
_ Eu vou te pegar, sua puta! O que você quer que eu faça?
_ Você vai transferir um milhão e meio para a conta que eu vou lhe passar. O banco e a agência são…
_ Eu vou transferir agora, mas eu preciso da autorização do banco para transferir todo esse valor.
_Foda-se! Dê os seus pulos. Aliás, você gostou do chocolate? Ele contém uma toxina altíssima, cujo antidoto está na minha bolsa. Você tem até às 5:30 para resolver tudo, enquanto isso eu vou me divertir um pouco.
Marcelo sabia que não conseguiria a transferência, então entrou em casa e foi até a parede falsa do quarto onde escondia todo o dinheiro vivo dos roubos. Estava suando muito e com muita dor de cabeça. Não sabia se aquilo era psicológico ou se era efeito do veneno. Por que foi comer aquela porcaria?
Colocou um milhão na mala e ligou para a irmã, que não atendeu.
No quarto do hotel, Marcelina ficava pela primeira vez com uma mulher. No princípio sentiu estranho, mas depois se entregou. Armando era forte e conduzia a relação de forma perfeita! Nenhum homem a fizera sentir tanto prazer antes!
O telefone celular tocava enquanto as mulheres se entregavam ao prazer inebriante. Não atenderam ao chamado.
Com a arma ao pé da cama e um tom de autoridade militar, Armando ordenou:
_ Tome o seu banho e prepare-se, pois agora você trabalha para mim.
Às 4:00 da manhã, Armando atendeu a ligação do celular. Era Marcelo:
_ Consegui um milhão em espécie e programei a transferência de meio milhão fracionado em dias. Agora solte a minha irmã!
_ No encontro do saguão você poderá vê-la. Assim que eu pegar o dinheiro e eu lhe entrego o antídoto.
Às 5:00 em ponto, Marcelo Grandão estava sentado no sofá do saguão suando feito um porco e com muita dor de cabeça. Armando foi de encontro a ele e lhe entregou uma necessaire pedindo para que ele a abrisse apenas depois que ela partisse dali.
_ A sua irmã está dentro do closet do quarto. Tenha um ótimo dia!
Marcelo pegou o cartão do quarto e furtivamente dirigiu-se a ele. Abriu a porta e entrou no ambiente. Estava asseado. A cama estava arrumada e cada coisa estava em seu lugar. Armando estava tão tonto que se sentou na cama e abriu a necessaire rapidamente. Sem pensar, retirou um frasco de dentro dela e tomou o conteúdo líquido que ali estava. Em seguida abriu o enorme closet e entrou nele. No canto direito e postado sobre a sapateira estava uma arma, a mesma usada para matar Zé Antônio. Marcelo a pegou e investigou.
Armando encontrou Marcelina no estacionamento do Hotel, conforme o combinado. Em seguida as duas entraram no Porche preto estacionado ao lado do táxi de Marcelo e partiram para o seu próprio destino.
Sirenes soavam ao fundo quando Marcelo encontrou o corpo sem vida do amigo dentro de um saco de dormir. Seu rosto estampava um sorriso, o “sorriso do diabo”. Havia um cartão preto em cima da cabeça do homem. No cartão estava escrito “Mr. X”. Desesperado e com a arma na mão ele correu para a porta, mas foi interceptado por policiais que gritavam:
_ Para o chão! Vamos! Largue a arma e coloque as mãos para cima. Vai, vai!
Marcelo viu sua fonte de riqueza secar. Ajoelhou-se com as mãos atrás da cabeça e dali foi levado a passar o que seria o resto de sua vida miserável na cadeia.
…
Luciano Aparecido Marques