Será que filosofar é o mesmo que ler os filósofos?
Imaginemos o seguinte caso fictício: o professor de filosofia entra na sala de aula, neste caso o primeiro ano do Ensino Médio, e declara aos alunos que nesta aula eles estudarão Platão. Logo em seguida, o professor distribui um texto teórico sobre a vida e obra do filósofo em questão, bem como uma breve explanação de alguns conceitos trabalhados pelo autor. Ao término da leitura há um questionário sobre o texto a ser respondido pelo aluno. A pergunta é: essa prática específica pode ser considerada uma aula de filosofia?
Se partirmos do princípio que antes de ser professor de filosofia, o indivíduo é, em certa medida, um filósofo, não poderíamos classificar a prática acima como uma aula de filosofia, pelo menos não uma boa aula, pura e simplesmente porque nela não há um convite individual à reflexão de temas que façam parte do cotidiano dos alunos. Ao nos colocarmos no lugar do aluno, um adolescente que está diante de problemas ainda não trabalhados em sua mente, doravante a não experiência própria da idade, bem como à fase subjetiva na qual se encontra e que, pela própria falta de experiência se constitui um problema com dimensões potencializadas, o livro texto de filosofia e a aula “engessada”, expositiva e tradicional só irá salientar o questionamento do aluno acerca de porque aprender filosofia. Por que complicar ainda mais a vida que já anda complicada nesta fase?
É sob essa perspectiva que, antes de problematizar, meramente ao bel prazer de causar certa angústia existencial no aluno, e ao mesmo tempo manter-se distante dos temas, por já compreendê-los em certa medida, o professor de filosofia deve antes se colocar como sujeito que busca compreender os temas trabalhados.
As aulas de filosofia, como lugar de experiência filosófica, têm como objetivo oferecer critérios filosóficos para o aluno julgar a realidade por meio da prática do questionamento filosófico e da construção de conceitos, por meio do exercício da criatividade e avaliação filosóficas. (ASPIS)
Portanto, antes do aluno saber quem é Platão e conhecer parte de seu pensamento, é importante que ele se depare com problemas que são caros ao patrimônio universal humano, o que implica serem próprios de nossa raça.
Uma possível sugestão para tornar a aula exposta no início do texto mais atrativa e filosófica seria por meio de um poema ou trecho de filme que levantasse o questionamento acerca de um conceito que não será explícito a priori, mas deverá ser elaborado pelo próprio aluno. Por exemplo, poderíamos mostrar ao aluno o trecho de um filme que mostre a falta de ética realizada por determinado personagem. Após a cena poderíamos explorar a cena e perguntar aos alunos o que eles sentiram ao término do vídeo. Em um segundo momento, pediríamos aos alunos que propusessem um conceito para explicar as atitudes do personagem. Ainda na aula, em um terceiro momento, o professor recolheria as informações e faria um levantamento de ideias anotando-as na lousa. Por fim, todos deveriam estar engajados na solução do problema deste determinado conceito.
Apenas após toda a abordagem citada acima, em uma segunda aula, o professor, ainda em tom questionador perguntaria aos alunos se eles já teriam ouvido falar de Platão. Por fim o professor transmitiria o conceito de Ética em Platão e contextualizaria o filósofo em seu espaço tempo.
Sempre em tom inquiridor o professor faria o papel de advogado do diabo, questionando as conclusões dos alunos, a do próprio Platão bem como a sua própria concepção do assunto, de modo que o aluno possa conceber o professor de filosofia, não como um doutor de verdades absolutas, mas como um parceiro de caminhada mais experiente na estrada do pensamento filosófico.
[…] Esse professor tem a chave de um espaço singular onde os alunos poderão entrar para ter ali a sua experiência filosófica. O modo de relacionar-se consigo mesmo, com os outros, com o texto, dentro desse espaço, será um modo diferente, será um modo filosófico. ASPIS)
Referência Bibliográfica
O professor de filosofia: o ensino de filosofia no Ensino Médio como experiência filosófica. ASPIS, Renata Pereira Lima. Cad. Cedes, Campinas, vol. 24, n.64, p. 305-320, set./dez. 2004. Disponível em [HTTP://WWW.cedes.unicamp.br].