Rota

Um dia eu mirei tão longe

Que despistei a minha própria sombra

Fixei o olhar no horizonte

E encontrei uma rota promissora

Fui me distanciando demais

E me perdi na sombra

Só após perder muito tempo

Na busca do que eu não sabia ao certo o que era

Voltei ao ponto de início

E percebi que tudo o que eu procurava

Sempre esteve ali de onde eu não deveria ter saído.

A morte do povo colorido

No país onde os sons são coloridos

Se misturam matizes que fustigam os ouvidos;

Os olhos ouvem o que as orelhas enxergam,

O vermelho chora

E o branco dorme.

A paz ecoa em azul

E em si bemol o arco-íris

Contorna as formas.

A mudez dos que podem falar, mas se calam

Escurece

E os olhos ouvem a escuridão onde ela não está,

Morrem as cores!

E o que sobra é o cinza bipado e morno

Da crueldade e da omissão

Em uma biblioteca medieval – um cristão e um budista

Foto por Rodolfo Clix em Pexels.com

Sentado no centro da ante sala

Que dava de frente ao corredor Norte

Em posição de lótus ele estava

Altivo, com semblante puro e nobre

Aproximou-se o frade cristão

Sob o fluxo do silêncio sagrado

E o monge despertando então

Recebeu o amigo de bom grado

_ Vês o imenso número de livros?

Quase todo o conhecimento humano

Escritos nessas tábuas e papiros

Tudo pura vaidade e engano

Perceba esse silêncio que emana

Aqui é onde eu busco o meu refúgio

Dessa calma virá o meu nirvana

Conte-me pois, seu segredo profundo.

Foto por Jonathan Borba em Pexels.com

_ O que dizer a ti de antemão?

Nem tudo o que sou está na mente

Não posso perscrutar o coração

Também não compreendo o que ele sente

Mas sinto algo valioso e bom

Há lugares a que não tenho acesso

Um jardim onde a rosa de Sarom

Brotou desde o princípio do universo

Deus Pai, Filho e Espírito Santo

Cuidam do jardim em uma Pessoa

De lá Nossa Senhora entoa um canto

Que na alma do orante ressoa

Como se não bastasse tal beleza,

Jesus, que sofreu tanto no calvário

Lá exerce poder e realeza

Que sentimos na conta do Rosário.

Luciano Aparecido Marques

A grande lei da causalidade

De quem é esse tempo?

Não seria das flores?

Ou de todas as dores

Cujo triste lamento

Ocultado na alma

Corrói a santa calma

E destrói o momento

Conferindo ao destino

As mazelas do corpo

Como se houvesse porto

Em que todo o ferido

Por sua própria rudeza

Retornasse ao início

Onde todo o vício

Encontraria a pureza?

Não é assim, meu caro

A natureza cobra

O que ato aprova

E a falta de amparo

Porque se desencanta

O estado atual

Vem d’um mundo no qual

Colhe-se o que se planta.

Mesmo que seja incrível

Mas de um ato inocente

O corpo ainda sente

Tal lei irredutível!

….

Luciano Aparecido Marques

Cronos e o desejo

Depois eu faço

Amanhã eu terei tempo

Agora estou alimentando a minha demanda hormonal

Quando eu terminar essa ação tão esquematicamente normal

Eu direi a mim mesmo:

_Que embaraço!

Porque não consigo?

Tal como o discípulo afirmou

Ser difícil fazer aquilo que é preciso em detrimento do que eu quero

Sei o que devo realizar, mas coloco na frente a imediata vontade estéril

Dessa forma me torno quem sou

E não o que preciso.

E assim passa-se o tempo

Jocoso e tenaz, mas maquinalmente sádico

Pois quando termina a aurora do desejo encravado na alma

Ele sai indiferente rumo ao infinito e com toda calma

Nos deixa perdidos no presente trágico

No qual perdemos o momento

Luciano Aparecido Marques

Um mais um é igual a tudo.

O que seria da minha vida sem você?

O faroleiro sem companhia,

Ou o ébrio jogado na sarjeta?

O fato é que a vida não seria

Mais do que um universo sem planeta.

Qual seria o rumo a tomar sem você?

Não seria apenas uma cisterna vazia,

Um oásis feito de miragem,

Cuja opaca e languida apatia

Sobreporia a paisagem de tal imagem?

A que conclusão chego em tal querela?

Sou o que tu vês

Porque tu és em mim

E o derradeiro fim

Sou eu em você.

…..

Luciano Marques