Em seu livro “O Nome da Rosa”, o autor Umberto Eco narra um trecho em que dois frades discutem o princípio de verdade sob a égide teológica. Vejamos o trecho:
“É difícil aceitar a ideia de que não pode haver ordem no universo, porque ofenderia a livre vontade de Deus e sua onipotência. Assim a liberdade de Deus é nossa condenação, ou pelo menos a condenação de nossa soberba. Ousei pela primeira e última vez na minha vida, uma conclusão teológica: ‘Mas como pode existir um ser necessário totalmente entretecido de possível? Que diferença há entre Deus e o caos primigênio? Afirmar a absoluta onipotência de Deus e sua absoluta disponibilidade a respeito de suas próprias escolhas não equivale a demonstrar que DEUS NÃO existe?’(…)”
Pois bem, o trecho acima se trata de uma narrativa moderna sobre um fato vivenciado na idade média. A partir da fala do monge Adso de Melk, é possível compreender alguns dogmas da igreja então presentes na tradição católica: a onipotência de Deus e o seu domínio sobre o universo. A crença enraizada na tradição levou a igreja a desconsiderar teorias como o heliocentrismo em detrimento ao geocentrismo. ((FREIRE JR.)
As verdades até então aceitas pela visão aristotélica do mundo refrearam o avanço científico no que concerne ao conhecimento das ciências naturais. Houve processos, prisões e condenações inclusive de pessoas ligadas ao clero, como Giordano Bruno. Porém, a ciência continuou seu avanço por meio da invenção de aparelhos, como a luneta e o telescópio que potencializaram provas contundentes sobre assuntos até então inquestionáveis, como a noção do espaço etéreo e a quintessência Elemental que pode ser colocada a prova a partir da observação do solo lunar e seu aspecto rochoso ao invés de gasoso. (FREIRE JR.)
Os avanços científicos modernos colocaram à prova verdades tidas como absolutas, tais como: a noção de tempo e espaço, causalidade e até a própria experimentação científica, uma vez que esta necessita de elementos que podem modificar os resultados por meio de referenciais e ajustes encontrados no próprio meio. “A experiência não estabelece a verdade de nenhuma teoria, nem a refuta definitivamente”. (Smith)
É possível, portanto, conceber algum tipo de verdade em meio a tanto relativismo?
Essa é uma boa pergunta que cabe à filosofia, dentre outras disciplinas, responder. Ora, se nos atentarmos ao fato de que houve um avanço científico no tocante à elaboração de teorias que buscam compreender o universo a resposta é sim, porém se partirmos do princípio que as verdades científicas são de tempos em tempos abaladas ou colocadas à prova, não, pelo menos em parte. Segundo o professor autor Olival Freire Jr.:
“A adequação empírica deixou de ser sinônimo de verdade e a própria noção de verdade de uma teoria científica foi posta em questão, pois passamos a considerar provisórios mesmo os fundamentos das teorias correntemente aceitas”.
As verdades científicas não são absolutas, mas têm certo prazo de validade, pois, a própria ciência busca responder seus próprios questionamentos, fato que implica a criação de novos conceitos e teorias.
Uma questão que gira em torno da verdade científica é a sua aplicabilidade prática no que concerne à criação de produtos e sua implicação ética. Podemos analisar, por exemplo, a criação de diversos aparatos tecnológicos que por um lado alavancaram a globalização e facilitaram a comunicação entre os povos e por outro serviram a um sistema econômico de interesses político-ideológicos. Outra questão é a criação de armamentos com potencial de destruição em massa inclusive ameaçando o próprio planeta terra e sua biodiversidade.
Ética na produção científica bem como suas implicações, deve ser muito bem considerada, de modo a não implicar perdas e danos irreparáveis tanto para a natureza quanto para a própria existência humana, uma vez que o conhecimento deve servir à manutenção da vida e não a sua destruição.
Por fim, mas não menos importante, é necessário fazermos distinções entre as ciências naturais, a filosofia e a teologia, para que uma não interfira na outra de modo negativo. E que o diálogo entre elas seja produtivo e bom para a evolução humana e de toda a natureza.
Bibliografia.
ECO, Umberto. O Nome da Rosa. Rio de Janeiro. Record, 2011.
FREIRE Jr., Olival. História da física e a Reflexão Filosófica. In: CARVALHO, Marcelo. CORNELLI, Gabriele (org.). Filosofia: conhecimento e linguagem. Volume 4. Cuiabá MT: Central de texto, 2013, p.149-159.
SMITH, Plínio Junqueira. Liberdade Científica, experimentação e valores cognitivos. In: CARVALHO, Marcelo. CORNELLI, Gabriele (org.). Filosofia: conhecimento e linguagem. Volume 4. Cuiabá MT: Central de texto, 2013, p.133-148.